sábado, 28 de fevereiro de 2009

anotações sobre um amor urbano

Anotações sobre uma amor urbano
Desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só essa vontade quase simples de estender o braço pra tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nessa janela, já dissemos tudo o que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação, impressão, ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e com a ponta dos meus dedos tocar você, natural que seja assim: O toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora.

Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha pra mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi pra saber tocá-lo. Você não me conta seus desejos. Sorri com os olhos, com a mesma boca que mais tarde, um dia, depois daqui, poderá dizer: Não. Há uma espécie de heroísmo então quando estendo o braço, alongo as mãos, abro os dedos e brota. Toco. Perto da minha boca se entreabre lenta, úmida, cigarro, chiclete, conhaque, vermelho, os dentes se chocam, leve ruído, as línguas se misturam. Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do teu corpo contra a minha coxa, calor rijo do meu corpo contra a tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos.

Pensei em você. Eram exatamente três da tarde quando pensei em você. Sei porque perdi a cabeça como se você fosse uma tontura dentro dela e olhei o digital no meio da avenida.

Corre, corre. O número do telefone dissolvendo-se em tinta na palma da mão suada. Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoa enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim desses dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa, e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu olho. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos eletrônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta, e você me leva para Creta Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem. O telefone toca três vezes. Isto é uma gravação deixe seu nome e telefone depois do bip que eu ligo assim que puder, ok?

O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos pra naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos, sargaços. Minhas mãos escorrem pelo teu peito, gramados batidos de Sol, poços claros. Alguma coisa então pára, as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui no fundo da cidade escura. Olho no poço do teu olho escuro, meia noite em ponto. Quero fazer um feitiço pra que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse me jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. Torre fulminada, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não esta completo sem o outro. Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãs invisíveis pelos quatro cantos do quarto.

(...) Fico tosco e você se assusta com minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento aonde viemos dar.

A cidade está louca, você sabe. A cidade está doente, você sabe. A cidade está podre, você sabe. Como gostar limpo de você no meio desse doente podre louco? Urbanóides cortam sempre meu caminho à procura de cigarros, fósforos, sexo, dinheiro, palavras e necessidades obscuras, que não chego a decifrar em seus olhos semafóricos. Tenho pressa, não podemos perder tempo. Como chamar agora a essa meia dúzia de toques aterrorizados pela possibilidade da peste? (Amor, amor certamente não). Como evitaremos que nosso encontro se decomponha, corrompa e apodreça junto com o louco, o doente, o podre? Não evitaremos. Pois a cidade está podre, você sabe. Mas a cidade esta louca, você sabe. Sim a cidade está doente, você sabe. E o vírus caminha em nossas, companheiro.

Fala, fala, fala. Estou muito cansado. Já não identifico nenhuma palavra no que diz. Apenas me deixo embalar pelo ritmo de sua voz, dentro dessa melodia monótona angustiada perplexa repetitiva. Quase três da manhã. Não temos onde ir, nunca tivemos aonde ir. Um nojo, vez em quando me dá asco - nojo é culpa, nojo é moral - você se sente sórdido, baby? - eu tenho medo, eu não quero correr risco - não é mais possível - vamos parar por aqui - quero acordar cedo, fazer cooper no parque, parar de beber, parar de fumar, parar de sentir - estou muito cansado - não faz assim, não diz assim - é muito pouco - não vai dar certo - anormal, eu tenho medo - medo é culpa, medo é moral - não vê que é isso que eles querem que você sinta? Medo, culpa, vergonha - eu aceito, eu me contento com pouco - eu não aceito nada nem me contento com pouco - eu quero muito, eu quero mais, eu quero tudo!

Eu quero risco, não digo. Nem que seja a morte.

Cachorro sem dono, contaminação. Sagüi no ombro, sarna. Até quando esses remendos inventados resistirão à peste que se infiltra pelos rombos do nosso encontro? Como se lutássemos - só nós dois, sós os dois, sóis os dois - contra dois mil anos amontoados de mentiras e misérias, assassinatos e proibições. Dois mil anos de lama, meu amigo. Tantos lixos atapetando as ruas que suportam nossos passos que nunca tiveram aonde ir.

Chega em mim sem medo, toca meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: "-Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como esta. Feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você. Nada mais importa. O resto? Ah, os restos são restos. E não importam. Mas seus livros, seus discos, quero perguntar, seus versos de rima rica? Mas meus livros, meus discos, meus versos de rima pobre? Não importa, não importa. Largo tudo. Venha comigo pra qualquer outro lugar. Triunfo, Tenerife, Paramaribo, Yokohama. Agora já. Peço e peço e não digo nada, mas peço peço diga, diga já, diga agora, diga assim. Você planeja partir para um país distante, sem mim, de onde muitos anos depois receberei a carta de um desconhecido com nome impronunciável anunciando a sua morte. Foi em Abril, dirá abril e maio. Ou Setembro, Outubro. Os mais cruéis dos meses. Tanto faz, já não importará depois de tanto tempo, numa cidade remota.



Pelas escadarias da avenida deserta, lata de coca-cola largada na porta da igreja, aqui parece que o tempo não passou, quero te mostrar um vitral, esta sacada, aquele balcão como os de Lorca, entremeado de rosas, quero dividir meu olhar, desaprendi de ver sozinho e agora que tudo perdeu a magia, se magia houve, e havia, e não consigo mais ver nenhum anjo em você, pastor, mago, cigano, herói intergaláctico, argonauta, repercante, e agora que vejo apenas um rapaz dentro do qual a morte caminha inexorável, só não sabemos quando o golpe final, mas virá, cabelos tão negros, rosto quase quadrado, quase largo, quase pálido onde já começou a devastação, olhos perdidos, boca de naufrágio vermelho pesado sobre o escuro da barba malfeita, olho tudo isso que vejo e não tem outra magia além dessa, a de ser real, e vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo leve, e vou dizendo longo sem pausa - gosto muito de você de você muito de você.

Tantas mortes, não existem mais dedos nas mãos e nos pés pra contar os que se foram. Viver agora, tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã. Mas o poço não tem fundo, persiste sempre por trás, as cobras no fundo enleadas na lança. Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consome cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? E quantos mais ainda restam na palma da minha mão?
Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com esta fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar desligar a TV, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha de esperma nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas a alma existe mesmo? E quem garante? E quem se importa? Apagar a luz e mergulhar de olhos fechados no quente fundo da curva do teu ombro, tanto frio, naufragar outra vez em tua boca, reinventar no escuro do teu corpo de moço homem apertado contra meu corpo de moço homem também, apalpar as virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar, abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios indícios, sinistros augúrios, e amanhã não desisto. Te procuro em outro corpo, juro que um dia te encontro

Não temos culpa. Tentei. Tentamos.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

moço ausente


Ele tem pouco mais de 21 anos e um nome comum. Morava em um bom lugar desde os 13 anos de idade. Aos 16 anos já trabalhava em uma empresa, onde permaneceu até então, seu primeiro e único trabalho. Era um bom empregado, nada lhe parecia demasiado difícil ou enfadonho. Não era de reclamar do ônibus lotado, nem do pouco tempo que lhe sobrava para jantar antes de ir à faculdade. Não tinha aulas todos os dias e, nesses dias sem aula, costumava ir direto do trabalho para a casa da namorada. Uma garota que conhecera na igreja.

Estavam juntos há anos, eram companheiros inseparáveis, iam a todas as festas juntos, se viam com freqüência, mas já não se beijavam, nem faziam sexo. Tentaram uma vez, os dois haviam bebido por influência de amigos, se arrependeram: passaram uma semana sem se ver, nem se ligaram, no domingo se encontraram na igreja e fingiram que aquilo nunca existiu. Era como se ele tivesse tentado fazer sexo com algo assexuado.

Dormia cedo, acordava cedo e, de novo, estava no trabalho. Em certa manhã, saiu atrasado, e notou que um bar já estava aberto àquela hora. Foi o primeiro cliente do dia, pediu uma dose de uma bebida que não conhecia. Foi a primeira vez que chegou embriagado em casa, a mãe disse que era culpa de má influência, o pai disse que da próxima vez levaria uma surra, a namorada ameaçou terminar o namoro.

Conheceu más influências, levou 3 ou 4 surras, perdeu a namorada e, um dia, depois que o bar fechou, não voltou para casa. Agora fica aí, com seus 21 anos, uma pinga de R$1,99, alguns trocados e uma vida que pensa gostar de ter.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Alô, povo de Mountain View: beijosmeliga!

Quem usa algum tipo de contador de acesso, ou como no meu caso, um monitorador de acessos, já deve ter tido a honra de notar a passagem do ilustre visitante Google, Mountain View, California, United States pelo seu humilde site/blog.

Por que afinal o Google estaria visitando o meu blog? A explicação clássica é que os bots do Google (mecanismos de indexação) procuram por novas postagens para serem adicionadas ao seu sistema de busca. Ok, ok!

Mas e quando não há novas postagens... vai saber. Por isso, tudo que tenho a fazer é dar um "Oi!" bem simpático para a galera do Google: Malta do Google, amo vocês, hein! Não se esqueçam disso!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

selos

Enfim, recebi esse selo da Juh e depois da Talita faz um tempo, mas como não sou muito conhecedora desse lance de selos bloguísticos, só estou a postar agora! :D

As regras são:

1 - Exiba a imagem do selo “Olha Que Blog Maneiro” que vc acabou de ganhar!
2 - Poste o link do blog que te indicou. (muito importante!)
3 - Indique 10 blogs de sua preferência.
4 - Avise seus indicados.
5 - Publique as regras.
6 - Confira se os blogs indicados repassaram o selo e as regras.
7 - Envie sua foto ou de um(a) amigo(a) para olhaquemaneiro@gmail.com juntamente com os 10 links dos blogs indicados para vericação. Caso os blogs tenham repassado o selo e as regras corretamente, dentro de alguns dias você receberá 1 caricatura em P&B

Segundo as regras tenho que indicar 10 blogs que merecem o selo, bem, acho que como demorei todo mundo já tem, ou melhor, acho que só eu não tinha. Enfim:

x http://incensodepitanga.blogspot.com/
x http://madcoeur.blogspot.com/
x http://atorredoleste.blogspot.com/
x http://annapalindroma.blogspot.com/
x http://edmarciano.blogspot.com/
x http://viciosafogados.blogspot.com/
x http://cadernodefragmentos.blogspot.com/
x http://inatingivel.wordpress.com/
x http://geraldofilho.blogspot.com/
x http://conversa-de-bebado.blogspot.com/

Recebi outros selos também, inclusive ADOREI o que a Juh criou e traz o Calvin & Hobbes! Mas ando numa falta de tempo horrível. Mas Juh, fiquei feliz, muito feliz ;D

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

explicação de pós-vida

Dale Wicks - Trying to fit in painting

Disse que não gostava de fantasias, concordo com as discordâncias: gosto.
Mas não daquela a que me referi, não no sentido em que pensava naquele momento, naquela frase buscava a segurança, o tangível que proporciona uma sensação de vida confortável. Como das pessoas que vivem presas ao concreto, ao sapato, ao ônibus, `à colher no almoço, ao relógio no pulso. Naquela frase quis negar a possibilidade de me render à fantasia, porque sim, sonhar me toma metade do tempo a mais do que a metade que deveria. Estava tentando me encaixar.

"Negar o amor era negar a vida; toda negação do amor gera a morte, não importa que amor, não importa que proibição". (Lya Luft)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

gifts

Imagem: "Personal" by Dale Wicks


Seja
sincera.
paciente.
corajosa, mas não irresponsável, não sempre.
leal às pessoas que acreditam na sua lealdade,
indiferente com as que não merecem sua consideração.
converse quando a situação pedir entendimento.
não grite por preocupação, um abraço tem um efeito melhor.
mostre às pessoas que ama o quanto se importa com elas,
mesmo que nem sempre tenha vontade de fazê-lo.

Máscaras são bem-vindas, mas também são plenamente descartáveis, saiba usá-las.
Não se irrite com pedidos carinhosos.
Não se irrite com os que se preocupam.
Não se irrite quando os outros sofrerem por motivos que não entende, um dia, infelizmente poderá vir a entendê-los.

Procure ser alguém do qual não se envergonhe: ninguém suporta se envergonhar frequentemente das próprias atitudes.

Compre lembranças às pessoas queridas, não se baseie em datas marcadas e presentes caros.

Seja gentil com os mais velhos, educada com estranhos, sorria ao cumprimentar as pessoas.

Seja admirável, sempre que possível.